Isto é apenas um vídeo com piada, genuíno ou representado, pouco interessa, mas que, no fim, se revela a fonte de um riquíssimo exercício de análise sociológica...
Ler os comentários é entrar no mundo real, nas profundezas dos problemas de falta de sentido crítico, de raciocínio e contra-raciocínio, de reflexão sob ponto de vista contrário, de análise da perspetiva original, todas elas capacidades que, exercitadas juntas ou à vez, servem de lastro à garantia de uma sanidade mental e cultural coletiva que se quer cada vez mais aprimorada.
A maioria das pessoas que vemos em exercício apressado de comentário deste vídeo, em ânsias de notoriedade perante a previsibilidade do sucesso, são as mesmas que instalam a app royal match porque, orgulhosas e ansiosas, têm a certeza de fazer muito melhor resultado que o exemplo apresentado. Sabemos que são técnicas comerciais de venda que se apoiam na potencialização da valorização própria pessoal, provocando segregação química no corpo do ser humano alvo, que o fazem sentir feliz e realizado. O que também sabemos é que uma sociedade saudável desenvolve capacidade de entendimento destas patranhas e se adapta à convivência com elas sem se prejudicar, rindo-se delas, aniquilando o seu efeito social, porém, quando a sociedade nao está saudável, a coisa nao se desenvolve por aí...
Estudado o conceito e o contexto, fácil é percebermos que esta causa/efeito ou, se quiserem, esta ação/reação, quando transposta para outros patamares da vida, quer pessoal quer coletiva, tem implicações muito mais graves. Começando logo pelo ambiente laboral, no trabalho, com o acréscimo acentuado de sucesso, na ascenção hierárquica, de pessoas que padecem desta falta de conteúdo pessoal, moral e social, normalizando assim a reação acéfala como natural, o que não desminto que seja, mas cujo caminho que definimos há séculos, como humanidade, definia inquestionavelmente o seu abandono.
Mas podemos transferir, obviamente, o problema para as implicações sociais, com prejuízo coletivo, quando observamos a sua ação direta sobre escolhas eleitorais. Ao longo das últimas décadas, com a proliferação do impacto das redes sociais virtuais, mais fácil ficou de assumir este problema como arma eleitoral, usando, quer a desinformação, quer a reação imediata, ainda que genuína, como método aceitável de comportamento social, em detrimento da reflexão, da discussão sustentada, e da ponderação.
Este é o panorama que leva as pessoas a entender como viável, já que menos trabalhosa, a escolha eleitoral de propostas que lhes retirem a necessidade de se envolver.
Pode-se achar rebuscado, mas é um raciocínio que tem corrida de pensamento sem interrupções de lógica, obedecendo à concretização prática da cantiga das cerejas, premissa sempre tão validadora.
É por isso que, nos dias que agora vivemos e tentamos analisar, vivendo as pessoas, em maioria, muitas vezes de forma consciente, manietadas pelo canal único e unidirecional de informação, seja de olhos afunilados a uma tela de projeção de apenas 6 polegadas, seja por retângulo maior, da comunicação social, mas que se limita a debitar a retórica que defende os interesses dos seus donos (a media ter dono 😒), seja pelas diversas redes sociais virtuais que, iludindo com a ideia de que somos nós quem controla a busca de informação, nos debita invariavelmente o mesmo sentido, ainda que com cores e palavras diferentes, sempre em função da aplicação do algoritmo pré definido, na direção constante e ininterrupta dos interesses da minoria que domina, a que detém o dinheiro.
Recentrando o raciocínio, é este o cenário que leva a maioria das pessoas às escolhas eleitorais das propostas justiceiras, que lhes apresentam soluções que sempre andaram, sem que necessitem de mexer um dedo, senão o que segura a esferográfica do voto.
Ora, sabemos todos que, em épocas medievais, estas foram táticas de sucesso que sempre resultaram, apenas, na ainda maior concentração de poder e riqueza.
Sabemos todos que a ausência de escrutínio contínuo não pode ser virtude de sistema nenhum, e resulta sempre no prejuízo da maioria em função do sucesso, apenas, dos agentes políticos que propõem a tal solução fácil e descansada.
É, por isso, importante que, ainda que poucos, nos mantenhamos firmes na necessidade de manter a proposta de fomento do espírito crítico, de discussão coletiva, de apreciação do lado contrário ou, muitas das vezes, do ponto de vista paralelo, a fim de percebermos que os objetivos são, na verdade, comuns e válidos.
É necessário fazer passar a verdade de que a sociedade só se movimenta em bloco, no sentido certo, se todos, ou pelo menos a maioria, nos entregarmos à proposta eleitoral que não nos apresenta qualquer fórmula mágica, mas apenas a garantia de que o trabalho de todos, o raciocínio de todos, a ponderação do ponto de vista de todos, e a ação geral, são fundamentais para a movimentação positiva que, sem heróis nem egrégios, não deixará ninguém para trás...