domingo, 9 de julho de 2023

o ódio de classe, à sua própria classe

São 11 da manhã de um domingo de calor numa pastelaria dos subúrbios de uma das "grandes" cidades portuguesas.


Quatro homens, reformados, ex emigrantes em França, discutem os tumultos de Paris e outras cidades Francesas e chegam rapidamente a uma conclusão unânime.

Do alto da sua parolíssima assunção de privilégio, declaram sem vergonha nenhuma que a solução era pegar neles todos, meter num avião, e mandar para África. Assim, sem mais!

Ignoram o papel que os imigrantes Portugueses tiveram, em França, na marcação de passo do avanço nos direitos dos Trabalhadores Franceses, furando greves, aceitando pagamentos por baixo da mesa, contribuindo para a fuga aos impostos que patrões, muitas vezes também Portugueses, lhes propunham, o que resultou, na maioria dos casos, num valor de reforma muito inferior ao dos Trabalhadores Franceses, mas que os enche de contentamento saloio por dela beneficiarem em Portugal.

Ignoram ainda que a origem dos atuais tumultos franceses reside numa sectarização de classes entre cidadãos Franceses, que se acentua por estar ainda estratificada em termos geracionais...

Ignoram igualmente o facto de que a maioria daqueles jovens, ainda que morenos, de olhos rasgados ou nariz bicudo, e aroma a canela, caril, ou açafrão, são efetivamente Franceses, nascidos em França, filhos de Franceses nascidos em França, vítimas de uma sociedade racista e de agentes de autoridade de alinhamento ideológico fascista, um problema de escala mundial que teimamos em continuar a ignorar.

Esta é a forma de ver as coisas que estamos a dar de bandeja à preguiça intelectual.

O cidadão comum tem hoje, incutido pela sociedade, o ódio ao estudo, ao conhecimento, e a perseguição condenatória à intelectualidade. Não é um fator que se erradique numa geração, pelo contrário, é algo com que vamos ter de aprender a lidar e a contornar, tendo no entanto de arranjar capacidade para inverter o sentido, tal como se inverteu, em Portugal, naquele período de antes e depois da revolução de Abril.

Estes são os eleitores da extrema direita (que os vazios e os interesseiros tentam equiparar à esquerda, como se houvesse extremismos desviantes em qualquer política de esquerda), os que votam na extrema direita e a elegem para responsabilidades políticas que, pela sua própria natureza histórica, tratarão de os castigar a si mesmos.

Aqueles quatro velhotes, orgulhosos da pobreza de quem os rodeia, cultivando não o ódio de classe, mas à sua própria classe, não sabem que o alinhamento político que escolhem não tem sequer capacidade para justificar as suas próprias posições.

Os quatro velhotes que, em meio de conversa, lá vão deixando sair um "o que isto precisava sei eu" ou "o outro é que tem razão", não têm densidade intelectual suficiente para perceber que, pela sua própria lógica de pensamento, não existia Portugal, o país cujo hino orgulhosamente cantam e defendem contra tentativas de alteração, sem terem sequer um dia perscrutado a sua letra. 

Não lhes passa pela ideia que a sua própria ideia remete o direito exclusivo de vivência territorial aos Estrímios, e que a sua adoração pela menina loira que lhes serve o café já constitui, por si, uma aberração ao próprio pensamento!



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