domingo, 29 de janeiro de 2023

Ordeiramente, à miséria global

O Presidente da Assembleia da República afirmou que todos os estudos de impacto económico que viu garantem bastante retorno financeiro à realização das jornadas mundiais da juventude. Nenhum jornalista presente lhe perguntou que estudos são esses... A RTP passou há dias uma peça jornalística que dava conta de não haver, até à data, nenhum estudo do género para este evento, por dois motivos: primeiro porque ninguém os tinha pedido, e segundo porque não estariam sequer definidas as métricas que os balizariam. Portugal perde-se demasiadas vezes neste tipo de verdades incontestada, e os políticos sabem disso, aproveitando-se até à exaustão. Vale a pena discutir as probabilidades de sucesso económico de um (ainda que) mega evento religioso, mas que apenas atrairá jovens, por via do seu próprio propósito e nome. Apesar de as notícias continuarem a sair excessivamente debruçadas na polémica e não nos factos, conseguimos perceber que os custos totais da construção e organização do evento ultrapassam os 160 milhões de euros. Não se sabendo o valor assumido pela igreja católica (mas conhecendo-lhe o cariz economicista e acumulador de séculos) e tendo o Governo comunicado que apenas lhe competem cerca de 30 milhões, está mais que visto que muito se vai fazer em cima do endividamento das autarquias. Há, por isso, quem defenda que este é um evento lucrativo porque trará um retorno de mais de 300 milhões. Então vejamos: Alguém que muito prezo alertava-me, há dias, para o facto de lhe parecer demasiado ambiciosa a previsão de que miúdos e jovens, ainda demasiado entregues à ilusão religiosa e, por isso, embuidos de um estado de alma etéreo, durante o evento, venham para Lisboa alojar-se em locais de elevado valor, ou almoçar em restaurantes de experiências de degustação da cozinha local, ou ainda comprando "souvenirs" de artesãos ou iniciativas locais. Dizia-me: "todos sabemos que, mundo fora, por força do seu espírito prático e fácil adaptação e convivência com a adversidade, os jovens resolvem a coisa com uma tenda da Decathlon e meia dúzia de sanduíches cujas vitualhas compraram no Lidl". O que me leva a concordar com o epíteto de absurdas sobre as previsões de retorno financeiro, ainda que nenhuma exista, apesar de os políticos nelas se continuarem a debruçar. Há, depois, outra confusão muito comum: A perspetiva de que o ganho financeiro privado valida o gasto financeiro público. Um retorno completo do investimento público apenas seria possível num cenário tal de trocas comerciais que garantisse o mesmo valor em receitas fiscais ou, por outro lado, em proveito inerente à utilização de serviços públicos. Ora, bem sabemos que tal nos parece altamente improvável e, por via da organização económica da sociedade atual, tal resultará, apenas, em maior acumulação capitalista, inerente ao facto de TUDO o que dê lucro, neste país, estar nas mãos dos grandes grupos económicos sem exceção. Era já tempo de sermos meno preguiçosos no pensamento e pragmáticos na análise... Continuarmo-nos a debruçar na "crítica do meme", ou no culto do grunhido comum, fará apenas com que nos encaminhemos, de forma mais ou menos ruidosa, mas sempre em alinhamento previsível e ordeiro para a miséria global!

Sem comentários:

Enviar um comentário