terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Consciência de classe

Nas empresas modernaças deixou de se tratar os Trabalhadores como funcionários e passou a adotar-se o recurso epitético de "colaborador".
Ainda que a verdadeira movente passe ao lado das intenções da maioria de bem intencionados mas mal praticantes técnicos de recursos humanos, ela suporta uma carga ideológica bem vincada e adquire formato de embuste engenhoso por, à partida, se apresentar como palavra doce e de pronunciação cordial e lisonjeira. Já diretores, administradores, patrões e afins sabem bem o caminho que trilham e orientam os menos incautos.
A introdução do epíteto "colaborador" introduz à partida e sem questionar uma premissa de colaboração entre trabalhador e patrão (excluo de forma óbvia os patrões trabalhadores) e, ainda assim podíamos questionar que mal teria esse sentido de colaboração mútua. Nenhum, diria eu... Mas essa seria a resposta num mundo em que o sentido de posicionamento e de classe estivesse vincado no pensamento, não só dos patrões mas também, e sobretudo, dos Trabalhadores. 
É então aqui que começa a distorção dos limites. Só quando se entende a relação laboral tal como ela é, como uma relação comercial interdependente e jamais como um favor de uma para outra das partes, é que se parte de uma posição de discernimento simples em que colaboração e colaboracionismo são conceitos distantes.
Serve isto para chegar à caracterização da realidade atual e explicar sem justificar o caminho que nos trouxe à desvirtuação ideológica de uma grande parte dos Trabalhadores em Portugal.
Muitos destes Trabalhadores sentem, à partida, ter uma dívida de gratidão para com o patrão e tolhem dessa forma a sua própria capacidade reivindicativa. Estes normalmente envaidecem-se ao afirmar com ênfase que decididamente preferirão sempre um trabalho mal remunerado a uma remuneração sem trabalho. Mas estes... estes estão identificados e, ainda que muitos, não chegam nem são os que o patrão procura.
A grande maioria é a que sofre. E sofre por razões distintas:
Uns sofrem porque são explorados, que é como quem diz mal pagos. São os que cada vez em maior número recebem o salário mínimo nacional como retribuição pelo seu trabalho. São explorados no valor, no tempo e, acima de tudo, na dignidade. A sua condição de assalariados mal pagos condena-os à ansiedade permanente de quem precisa mas não tem... Não tem para alimentar a família, para vestir, para estudar, para se curar das doenças e feridas e muito menos para garantir aos filhos a formação académica necessária que lhes possibilite destino distinto do seu. Vivem sob o medo de perder o pouco que têm e cair na desgraça de quem tem coisa nenhuma;
Outros sofrem porque, apesar de remunerados em modo mais desafogado, se habituaram de forma válida a viver nessa condição e vão perdendo capacidade de "desafogo". Vivem estes sob o medo de cair na desgraça dos anteriores porque convivem com eles e lhes dedicam um ligeiro sentimento de inferioridade.
É no meio desta mistura de entendimentos e predisposições diversos que o movimento sindical tem de trabalhar e perde tempos excessivamente longos na árdua tentativa de harmonizar pensamentos que levem a ações em massa e de interesse convergente. O movimento sindical, partindo do meio dos Trabalhadores e conhecendo os seus problemas deveria brotar dessa forma e construir-se como um valor inquestionável por representar a maximização do poder reivindicativo e libertador.
Infelizmente, os medos que invadem o coletivo trabalhador, e que o patrão tão habilmente semeia, invadem o pensamento e tolhem a coragem daqueles que, juntos, possuem a maior força: o seu trabalho!
Só com uma verdadeira consciência de classe, que implica ter como certo a posição contrária dos que a ela não pertencem, será possível aproximarmo-nos do equilíbrio nas relações laborais e da coesão social. Faça cada um a parte que lhe toca e deixe de oferecer as suas forças ao poder contrário.
E já agora... os sindicatos são meras concentrações de força dos Trabalhadores, não são gabinetes de aconselhamento jurídico e muito menos partidos políticos em busca da simpatia eleitoral.



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