sexta-feira, 26 de maio de 2017

as sirenes do barreiro

Apesar das inúmeras tentativas de profetização do contrário ouvidas desde o início da segunda metade do século passado, nunca a Europa foi verdadeiramente definida como um bloco, seja ele político, económico, ou social. Ao longo dos séculos, as diferenças acentuadas entre países bem próximos foi sempre o traço mais característico o velho continente e as inúmeras guerras de que foi palco são prova mais do que suficiente para que os povos deixassem de se inclinar para a aceitação desse conceito forçado.
Exige-se este pressuposto para que se possa abordar de forma séria a questão da integração europeia, do projeto federalista Europeu e da legitimidade do seu abandono.
Julgo não interessar lá muito discutir a retórica "pop" que, apontando todos os defeitos, erros e maldades do projeto europeu atual (não ponho de parte que seja desde a origem), evitam a todo o custo apontar o caminho do abandono ou desconstrução do projeto federalista e economico-comum europeu como a decisão mais sensata para o futuro. Fazem-no unicamente por motivos eleitorais (ou eleitoralistas) por saberem não estarem as massas, ainda, de acordo com essa solução, apesar de saberem também que tal se deve ao peso da influência da media mainstream imperialista e capitalista. Esta retórica, a pop, é fiel ao nome e ajusta-se às necessidades ou interesses de quem a transporta apostando em satisfazer a sede às massas mas nunca em dar-se ao trabalho de as fazer procurar a água.
Interessa pois abordar a tese de abandono ou, ainda melhor, desconstrução do projeto europeu atual. De facto, todos desconfiamos agora que nunca, desde a sua congeminação, o projeto europeu teve como propósito o princípio da solidariedade ou reforço e solidificação do território europeu como um todo, com vista à manutenção dos bons níveis de vida e paz aos seus povos. Percebemos sim que, desde o início, o projeto europeu não passou de uma versão moderna da enraizada prática de colonização dos países europeus mas, desta vez, sobre povos e países soberanos vizinhos. Nada disto foi mais do que uma iniciativa franco-anglo-germânica (com uma pitada de pragmatismo/cinismo holandês) de observação do seu próprio umbigo sem sequer precisarem de forçar os submetidos à sodomia economico-social. De facto, num básico exercício de prática das regras elementares complementadas por Nicolau Maquiavel, foram estes países atendendo aos ímpetos de sobrevivência política de personalidades egoístas que, mais nuns do que noutros, foram surgindo das revoluções ou viragens de entendimento eleitoral nos países, amiúde. No caso de Portugal, a figura de Mário Soares, construída a pulso pelo ego de uma personalidade ambiciosa mas inicialmente só e perseverante, é um bom exemplo do campo de cultivo ideal para os interesses imperialistas. A sobrevivência das figuras solitárias garante-se de duas maneiras: pelo carisma da figura e incontestabilidade das causas ou, na ausência de ambos, pela colagem ao corporativismo capitalista e imediata apetência para ser rodeado das estruturas e personagens interesseiras.
Em Portugal, a adesão à União Europeia seguiu esta segunda via e assumiu-se como a machadada final na possibilidade de o País, em função da escolha popular, vir a assentar numa sociedade socialista. A troco da sobrevivência política de uns, hipotecou-se, quem sabe se para sempre, a emancipação social do povo.
Bem lembrada é a particularidade, nada pequena de, a reboque da destruição completa do sistema produtivo nacional (a aniquilação da indústria metalo-mecânica pesada é exemplo), ter vindo o brinde, para os agentes políticos mainstream, do fim da reunião das massas de classe operária e, com isso, o aniquilar do cariz revolucionário do povo trabalhador. Há 40 anos, no Barreiro, soavam às sete da manhã trinta e sete sirenes de fábrica. hoje apenas uma!
Desculpem não abordar de forma exaustiva a opção do Banco Central Europeu em escolher preferir a garantia do lucro grande e fácil dos bancos em detrimento do equilíbrio do músculo financeiro soberano dos países membros.
Desculpem não abordar a prevaricação das instâncias europeias com as agências de rating e especuladores financeiros que, com um cumprimento saudável do seu dever remeteriam as segundas para um estado etéreo.
Desculpem não falar de economia mas, viriam com certeza dizer que não entendo...

foto:Ruinarte

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