sábado, 10 de junho de 2017

o contrapoder à estratégia de precarização

Não raras vezes, seja em meio de discussão ideológica ou numa qualquer acesa disputa controversa de conceitos sobre as relações laborais e a predisposição das partes, somos confrontados com a pergunta: "o que é a precariedade?". 
Algumas das vezes complementada com: "vocês andam sempre a falar na precariedade..."
Pois então, a precariedade é extremamente simples de identificar e adjetivar e a sua definição define-se à caracterização de uma relação laboral em que, além de a remuneração não pagar justamente o valor do trabalho despendido, quer pela riqueza gerada ou bem produzido, ainda submete o Trabalhador a uma condição de dependência contínua por garantir que este não tem condições de reivindicar a melhoria da sua situação, fruto da fragilidade do vínculo, da incerteza de futuro e da necessidade a que se está sujeito.
Ao longo dos tempos, o movimento de precarização das relações do trabalho tem sido posto em prática pelas entidades patronais, escudadas em associações setoriais, e armadas de agentes políticos que, mais por comprometimento do que por assunção ideológica, vão moldando o quadro legislativo em função dos interesses de ambos.
Em Portugal, esta situação é ainda agravada pelo facto de, em toda a primeira metade do século XX, altura em que os movimentos reivindicativos pela valorização do trabalho ganharam forma e peso na sociedade, moldando-a e empurrando-a para mais perto da sociedade avançada, cavalgando os movimentos populares dos trabalhadores, termos estado submersos e envoltos no autismo acentuado provocado pela realidade de uma ditadura fascista.
O mundo do trabalho sempre foi um mundo de dificuldades, por inerência da desigualdade de pressupostos, a relação laboral entre patrão e trabalhador sempre se definiu, no seu cerne, a uma relação entre opressor e explorado, mais ou menos regulamentada, mas sempre muito longe do equilíbrio de justiça social. Assim, a precariedade, ao contrário do que muitos querem fazer crer, não é uma realidade nova nem um conceito moderno.
Infelizmente, por confusão ou utilização inadequadamente orientada das expressões que "viralizam" por força da penetração das redes sociais, o conceito de precariedade vai sendo colado à situação, essa sim contemporânea, de exploração de novos trabalhadores jovens, com formação superior, que são mal pagos para desempenhar o trabalho na sua área de formação.
A precariedade não se remete a isto. Este tipo de situações tem vindo a acentuar-se pelo facto de o acesso à educação ter vindo naturalmente a ser facilitado, muito até por culpa do aumento do grau de escolaridade obrigatória, e verifica-se de forma mais frequente impelida pela pressão provocada pela bolha de desemprego gerada de tempos a tempos, de modo a influenciar as regras de mercado sob conveniências restritas.
Porem, a precariedade revela-se também sobre aqueles que, apesar de quantitativamente bem formados, se vêm obrigados a aproveitar oportunidades de emprego mal pagas e, pior ainda, fora da sua área de conhecimento, muitas das vezes trabalho físico, industrial, ou sujeito a inúmeras outras agruras que deveriam constituir motivo de valorização da remuneração. Mais uma vez, a capacidade de adulterar as regras de oferta e procura, inerentes a uma sociedade capitalista absorvedora, contribui para que a lógica deixe de o ser...
Mas há uma situação ainda mais grave e penalizadora de precariedade laboral... Todos os cidadãos que, ora crescendo em ambientes desestruturados, ora por infelicidade ou má decisão pontual que cause a impossibilidade de atingir um grau de escolaridade que garanta nível de formação adequado, e se vejam assim remetidos para empregos de trabalhos de que não gostam, seja chato, pesado, lento, acelerado, ou outro motivo qualquer que os remeta para longe da preferência dos demais, está sujeito a uma situação de precariedade bem mais agressiva.
Se, numa sociedade justa, fosse por decreto ou por ajuste automático do mercado, esses trabalhos tendiam para uma valorização da remuneração que lhes estava inerente, a descaracterização do mercado de trabalho atual faz com que demasiados fatores se conjuguem rumo ao objetivo final... A opressão e submissão do homem!
Creio ser esta última forma de precariedade aquela que mais trabalhadores afeta em Portugal e, portanto, deixa de fazer sentido aquela colagem automática e involuntária que atribui o rótulo apenas às situações modernas e modernaças que se evidenciem apenas pela falta de garantias de futuro.
Há uma pergunta que se faz muitas vezes: Deixará um trabalhador que ganha 600 euros mensais de ser precário apenas porque tem um contrato sem termo?
Obviamente não, e é aí que tem entrado a ação estratégica dos agentes comandados pelo capital cuja função principal é a desvalorização do trabalho e esvaziamento de direitos. Em poucos anos, a contratação coletiva em Portugal, que regulamentava as relações laborais de mais de 2 milhões de Trabalhadores, passou para um número residual de cerca de duzentos mil. É uma realidade que se verificou apenas pela evidência do número atual, sem que a sociedade tenha despertado para a sua transição a meio do processo. Estas são as verdadeiras capacidades da influência do corporativismo dos patrões sobre o agente legislador que, decididamente, se comprometeu com uma das partes em detrimento das outras e assume assim, pelas suas mãos, a precarização, não só das relações laborais mas, por inerência, da vida dos cidadãos!
Creio estarmos perante a evidência de que uma prática social não se contraria totalmente com quaisquer instrumentos legais, e há portanto que criar ondas de pressão e definição de força das massas rumo à alteração do paradigma da predisposição geral para mudança das condições de trabalho, valorização da remuneração e melhoria de direitos.
É aí que entra a necessidade de espalhar a mensagem de forma a que os Trabalhadores entendam e tenham como normal a imagem de que os seus sindicatos são, acima de tudo, operadores políticos de influência da sociedade sobre a sociedade. Esta prática deverá estar munida não só da óbvia assessoria jurídica mas, sobretudo, armada com a força dos Trabalhadores. Essa deverá ser uma arma apontada permanentemente aos interesses dos patrões por via da pressão exercida sobre o poder político, usando a capacidade de influência eleitoral.
Sai assim daí a óbvia posição de que a retórica que incita à separação entre os meios sindical e político é um argumento que, apesar de instintivamente e por ímpetos de politicamente correto usado por agentes oprimidos, apenas responde ao interesse do opressor. A manipulação política é a prática mais comum do capitalismo porque tem sempre presente a noção de que a política não é um setor à parte que funcione de si, por si e para si. O meio político é o átomo central de toda a complexa estrutura que é a sociedade. A política é nada menos do que o instrumento capaz de alterar a vida de todas as pessoas, patrões, Trabalhadores, agiotas, vadios, proprietários, etc...
A melhoria da situação atual depende fortemente de uma alteração profunda às leis do trabalho no sentido contrário ao que tem seguido nos últimos tempos, e essa pretensão é apenas atingível se conseguirmos manter a organização coletiva, abraçando e mantendo por dentro aqueles que estão em pior situação. O mundo do trabalho, no seu conjunto, está em dúvida acerca das decisões a tomar relativamente à necessidade de uma ação em massa e apoiada na solidariedade entre Trabalhadores, e é preciso pôr o dedo na ferida.
Fica a ideia que interessa... lutar é uma obrigação... e a obrigação impele-nos para a necessidade de visarmos sempre o objetivo da sociedade avançada e igualitária!




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